Cécile Mestelan ‘Fetiche’

Exposição individual de Cécile Mestelan, de 18 a 28 de Junho.

‘Ninguém pode afirmar simultaneamente que fabricou os seus próprios fetiches e que eles são verdadeiras divindades, é necessário escolher, ou é uma, ou é a outra; a não ser – indignam-se eles – que não se possua um cérebro e se seja tão insensível ao princípio da contradição como ao pecado da idolatria.’
Sur le culte moderne des dieux faitiches, Bruno Latour

Os fetiches de Cécile Mestelan, que se apresentam como um exército de pequenas estatuetas de cerâmica oca, assumem o seu padrão manufacturado de produto em série. Aliam nas suas formas o orgânico ao geométrico, o grotesco ao estilizado, os seus modelos distintos remetem para charmes fetichistas múltiplos mas tirados de um banco de padrões abstratos limitados: a coluna sem fim de Brancusi ladeia Arp e Miró, numa linha de objetos funcionais saídos da Bauhaus. Na era pós-Koonsiana actual da arte mundial, a do grande retorno à relíquia anatómica tornada monumento, reprimida por uma modernidade experimental doravante esgotada, estas pequenas esculturas de cerâmica de um primitivismo minimalista descomplexado poderiam indicar uma outra feitiçaria do presente?

O fetiche distingue-se da relíquia no sentido em que a sua função benéfica ou maléfica dispensa qualquer referência temporal. A relíquia remete para o passado desaparecido de um ser, cujo esplendor transborda da sua pegada temporal, enquanto o fetiche se consome num presente eterno. Que um fetiche seja antigo não é de todo uma garantia de autenticidade nem de eficácia; ele está para a obra de arte (valor de antiquário) como o objeto industrial está para o objeto de artesanato (valor cultural): uma eterna homenagem aos poderes imanentes do momento. Nascido de um olhar abusador dos racionalistas colonisadores portugueses sobre uma prática animista africana – o fetiche – e, dessa forma, o fetichismo – encontra-se hoje numa posição de grande abusador e magnetizador das antigas potências coloniais, sob a forma de um produto industrial generalizado. E a arte também não está isenta deste golpe fetichista, porque a aura de uma obra jaz daqui em diante no potencial das suas réplicas, sub-produtos e aparelhos, que constituem uma atualização presente indefinida.

Face a este fetichismo invasivo, os fetiches de Cécile Mestelan resistem à sua maneira actualizando a cada nova modelagem a degradação do modelo inicial, não sendo este nada a não ser uma pura montagem revisitável de módulos alternados. Assim sendo é só face ao número completo de réplicas que podemos gozar o poder fetichista de cada um! O número, talvez seja uma abstração… mas quem disse que as abstrações não eram prazenteiras? E assim, como pelos dedos de uma fada geómetra e descomplexada, recolhem-se as rosas da vida e as medalhas mais caras que o prazer concede às estouvadas fabricantes de fetiches e aos que ela encantou.

Clichy, 15 de Junho de 2015
Vincent Labaume

Com o apoio da Sofalca